Recuo do Governo Federal sobre as estradas, transferindo aos estados a competência de controlar e até de fechar vias pode levar ao desabastecimento de itens de primeira necessidade; basta que cargas como as de resinas plásticas, material primordial para a produção de embalagens de alimentos e insumos hospitalares, sejam retidas erroneamente.
Na última sexta-feira (20), empresas associadas à ADIRPLAST (Associação Brasileira de Distribuição de Resinas Plásticas e Afins) vivenciaram um problema que pode se repetir caso governadores de estados e prefeitos de cidades brasileiras resolvam bloquear estradas sem estudar o impacto que isso pode trazer à sociedade. Seus caminhões foram parados em barreiras sanitárias porque plástico, na opinião das autoridades que estavam no comando desses postos, não era um item importante. Percebeu-se, neste momento, na ADIRPLAST, a necessidade de alertar os órgãos competentes sobre o erro dessa constatação e da importância desta matéria prima. “Percebemos que precisávamos deixar claro que grande parte das resinas plásticas vai para a produção das embalagens, sem as quais não são comercializados alimentos, remédios e itens médicos”, explica Laercio Gonçalves, presidente da associação.
O alívio veio no mesmo dia, quando foram divulgados pelo Governo Federal a Medida Provisória nº 926, que passou a garantir a livre circulação do transporte de cargas em geral em todo o país, e o Decreto 10.282/2020, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que definiu o transporte de cargas como essencial para o abastecimento das cadeias produtivas e, consequentemente, para a vida humana. “Isso foi de extrema importância, pois sem plástico, quase nada chega ao consumidor, nem comida, nem remédio, nem o álcool gel”, explicou Osvaldo Cruz, vice-presidente da entidade.
No entanto, no dia 23, o Governo Federal voltou atrás e publicou uma resolução que transfere da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aos órgãos de vigilância dos estados a competência para prever as condições técnicas para fechamento ou bloqueio de estradas. Pelo texto, publicado em edição extra do Diário Oficial da União, ficou delegado aos órgãos estaduais fazer a recomendação técnica para “o estabelecimento de restrição excepcional e temporária por rodovias de locomoção interestadual e intermunicipal”.
Com isso, os distribuidores de resina plástica voltam a temer o impedimento de suas cargas tão essenciais. Para tentar amenizar o possível problema, a ADIRPLAST formulou um documento com mais informações sobre a importância do plástico na cadeia produtiva de insumos de primeira necessidade, como alimentos, remédios e fármacos, e orientou seus associados a imprimirem e distribuírem o documento entre seus transportadores. Esses devem apresentar o documento às autoridades mantidas em barreiras que, porventura, voltem a ser estabelecidas. Uma cópia da carta também deve ser enviada aos órgãos de vigilância dos estados.
“Entendemos que esse é um momento de preocupação e de engajamento das várias autoridades estaduais e municipais, mas, que antes de qualquer proibição, as consequências precisam ser estudadas. Assim também deveria ter sido feito anteriormente, antes da simples proibição da distribuição de plásticos descartáveis em bares e restaurantes. “Esses produtos garantem menor índice de contágio de doenças”, diz. “Agora, precisamos garantir que as pessoas que estão presas em suas casas ou hospitais tenham acesso a mantimentos e remédios”, complementa Cruz.
A importância do plástico
No começo do ano, cidades e estados brasileiros estavam tomando medidas drásticas para proibir o uso e comércio do plástico de uso único. O item havia se tornado um vilão, assim como quase todo material plástico. Agora com a pandemia do coronavírus, que atingiu em cheio quase todas as cidades do mundo, o uso e necessidade do plástico descartável está sendo repensado. “Alertamos as prefeituras que a proibição não era o mais adequado. Nossa entidade sempre defendeu que era necessário criar campanhas de conscientização do correto descarte do plástico, de investir em ações de incentivo à reciclagem. Levantamos inúmeras vezes discussões de como o plástico é fundamental para a evolução mais rápida e segurança da humanidade, mas em vão”, explica Laercio Gonçalves.
Mas essa, no entanto, não é hora de “apontar o dedo”, afirma Gonçalves, mas sim de trabalhar em conjunto. Afinal, 75% do plástico processado no Brasil é destinado à fabricação de embalagens de alimentos, remédios, itens de higiene e insumos hospitalares que não podem faltar nem nas casas, nem nos hospitais brasileiros: “Sabemos da necessidade das resinas plásticas, do plástico de engenharia e dos filmes bi-orientados. A produção de embalagens e de materiais plásticos são atividades fundamentais e essenciais para garantir que a população tenha acesso a quase tudo, inclusive itens que irão contribuir ao combate da pandemia provocada pelo coronavírus. Só para se ter uma ideia, 70% das seringas usadas no país, são feitas em plástico”.
Para que o país possa transpor melhor esse momento tão sensível, Gonçalves ressalta ainda que é importante que toda a cadeia produtiva esteja unida. “Não podemos deixar que faltem insumos nos hospitais e gôndolas, nossos clientes, principalmente os maiores, têm trabalhado até mais. Para 70% deles, que trabalham com os segmentos de embalagens, produtos hospitalares, limpeza e higiene ou farmacêuticos, a demanda, inclusive, cresceu em até 20% nos últimos dias”, conta o presidente da ADIRPLAST.